Em 1996 fui transferido de uma escola preparatória - na Travagem - para a secundária - no centro de Ermesinde, nos arredores da cidade do Porto.
Turma nova. Colegas novos. Todos se conheciam menos eu. Senti-me um peixe fora de água. Penso que todos conhecemos esta sensação.
Um dos colegas mais tímidos, foi dos únicos que procurou integrar-me e revelou-se até hoje um dos meus melhores amigos.
Nas primeiras semanas quando saía da escola, sentia que estava por minha conta. O meu novo amigo vivia noutro lado da cidade e íamos por caminhos diferentes.
Depois das escadas da escola ficava literalmente sozinho.O silêncio da caminhada de 4 km só era superado pelo peso dos livros.
Se começou a ter compaixão da minha solidão, espere só até saber quem se tornou a minha companhia.
Depois das escadas da escola, havia dois bancos de jardim a uns 50 metros. Passava lá todos os dias.
Pois todos os dias havia sempre lá alguém que provavelmente aborrecidos com a rebeldia de fumar um cigarro ou de dizer palavras proibidas pelos pais e pelos professores, usaram a imaginação para ofender quem passava todos os dias naquele sítio, àquela hora.
Sempre ignorei as bocas, os nomes e os comentários. Em boa parte porque muitos deles nem lhes conhecia o significado! Até que chegou o dia em que em vez de dois naquele banco, estavam quatro e até um quinto em cima duma motorizada Casal Boss.
Apercebi-me que a minha passagem se tinha tornado um momento esperado do dia, mas que neste dia em particular haveria mais pompa e circunstância.
Sem me deixar intimidar pelos olhares, dirigi-me para o "corredor da morte" sem sequer abrandar o passo. Como o coração é um músculo involuntário, esse não consegui deixar que acelerasse.
As bocas habituais foram substituídas pelo silêncio e quando pensei que tinha passado o cabo das tormentas, veio um "cachaço" que me deslocou os óculos para o chão.
O silêncio manteve-se. Apanhei os óculos.
"Não vais fazer nada?" - perguntou-me um deles, enquanto os outros se riam.
Pus os óculos. Comecei a andar como se nada tivesse acontecido.
Tinha andado uns metros quando comecei a ouvir alguém a correr atrás de mim.
Antes que me apercebesse estava no chão, depois de alguém ter tentado sem sucesso saltar para dentro da mochila que levava nas minhas costas.
A paisagem passou a ser cinco pares de sapatilhas. A pergunta continuou a mesma:
"E agora, não vais fazer nada?"
Estava na hora de aplicar os meus conhecimentos de "Kung Foge".
"Pelo menos deixem-me levantar." - respondi.
Assim que me levantei honrei o Carlos Lopes e a Rosa Mota.
Ainda insatisfeitos, os sujeitos correram atrás de mim. A descida da Rua da Costa estava a meu favor, o fumo do tabaco estava contra eles.
Depois de correr uns duzentos metros, apercebi-me que já tinham desistido, mas foi aí que ouvi o som de uma Casal Boss com dois rufias em cima.
Comecei a correr outra vez.
Quando já estavam perto, vi do outro lado da rua alguém a pôr a chave á porta . Atravessei a rua e antes que o dono entrasse em casa, entrei eu por baixo do braço dele.
Ainda me lembro da cara de espanto do homem. Expliquei o que se estava a passar enquanto recuperava o fôlego. Ofereceu-se para ligar aos meus pais e para me levar a casa, mas assim que vi a motorizada a passar para cima outra vez, agradeci e saí como tinha entrado.
A partir desse dia escolhi outro caminho, que apesar de muito mais longe, tinha a companhia certa.
Há um provérbio africano que ensina: "Se queres ir depressa vai sozinho, se queres ir longe escolhe a tua companhia."
Existem caminhos que muitas vezes temos de trilhar sozinhos e o dos conflitos é um deles.
Aprendi muitas lições com esta experiência e gostaria de partilhá-las consigo:
1. A melhor maneira de resolver conflitos é evitá-los.
2. Se alguém o tentar ofender ignore.
3. Ofender é a escolha do agressor, ficar ofendido é a sua escolha.
4. Não reaja a provocações e saia do conflito pelo seu pé enquanto pode.
5. Fugir de uma agressão física não é sinal de cobardia, é sinal de inteligência.
6. Se tiver de escolher entre uma boa companhia e um atalho, escolha a primeira.