quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Balões de Desculpas

Entre Novembro de 1999 e Novembro de 2001, servi uma missão eclesiástica e humanitária no sul de Portugal e em Cabo-Verde.
Os primeiros seis meses da missão foram na Amadora, zona da Falagueira.
A área em que morava, era um tanto ou quanto problemática e não eram raras as vezes que via a passar droga ou ouvia um tiro ou outro à noite.
Como missionários, tínhamos regras e horários para cumprir. Entre estes era levantarmo-nos todos os dias às 6h30 e às 22h00 estarmos em casa por questões de segurança.
Numa dessas noites, não conseguíamos dormir porque havia um carro nas traseiras do nosso prédio que tinha umas colunas incrivelmente potentes. Faziam estremecer as janelas, apesar de estarmos no terceiro andar.
Vivíamos quatro missionários no mesmo apartamento, eu e três norte-americanos.
Como ninguém conseguia dormir decidimos esperar que a música parasse.
Decidi ir estender a roupa que tinha acabado de lavar, isto já perto das onze e meia da noite enquanto os meu colegas ficaram na sala.
Enquanto estendia uma das peças de roupa, vi balões de água a caírem perto do carro mas sem dar grande importância voltei para dentro. A música do carro parou de repente.
Quando voltei para estender a próxima peça, estavam todos a olhar para cima. Um deles gritou e disse:
"Sabemos quem és! És o missionário português. Quando te apanharmos vamos te desfazer. Anda cá baixo!"
Decidi não aceitar o convite de descer, e apesar de já não haver barulho, por alguma razão tinha perdido completamente o sono.
Quando entrei em casa - vindo da marquise - reparei que apesar de haver pessoas na sala, a luz estava apagada e as janelas estavam abertas. Tinha encontrado os "três estarolas" que decidiram pregar a partida aos tuners mais problemáticos de um bairro da Amadora.
Naquele momento fiquei muito preocupado e praticamente não dormi. Decidi que no dia seguinte ia telefonar aos escritórios centrais e pedir para me mudar de área.
A verdade é que no dia seguinte já não me lembrava do episódio. Até que se passaram alguns dias e imaginem com quem é que eu dei de caras ao chegar a casa?
Pois é! Estava eu e um dos meus colegas norte-americanos a chegar a casa e lá estava o mesmo carro, e os mesmos apreciadores de música ao ar livre.
Eles eram cinco ao todo e assim que nos viram puseram-se à minha volta.
Um deles aproximou-se tanto que encostou a testa dele à minha e perguntou:
"Olha lá! Não foste tu que n'outro dia me atiraste um balão d'água!"
Sem saber muito bem como, abri a boca e respondi:
"Não foi um, foram dois!"
Ele começou-se a rir, os outros também, até que ele me disse:
"Foste um gajo porreiro, disseste a verdade. Se não o fizesses talvez não saísses daqui vivo."
Pedi-lhes desculpa pela brincadeira. Sem saber bem como, começaram a fazer-nos perguntas e a querer praticar o inglês com o colega americano.
Quando demos conta, tínhamos estado a falar com eles quase uma hora.
Qual é a moral da história?
O erro deve ser reconhecido de forma rápida e sem desculpas.
Quando fazemos isto, mesmo quando a culpa não é inteiramente nossa, abrimos espaço para o diálogo e para a empatia.
Já imaginou o que teria acontecido se eu disse-se: não fui eu, ou, foi ele e os outros?
Quando reconhecemos os nossos erros ou até mesmo simplesmente os possíveis erros aos olhos dos outros, a tensão alivia de tal modo que o diálogo torna-se fluído e sincero.
Quando reconhecemos os erros de forma rápida e sem desculpas, até os nossos maiores inimigos ou adversários acabam por se tornar os nossos maiores admiradores.

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