quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Gasolina com Empatia

Em 2004 trabalhei num posto de abastecimento nos arredores do Porto. Trabalhava fins-de-semana no turno da noite, das 23h00 às 7h00.
Numa dessas noites, apesar de ter câmaras de vigilância, um amigo do alheio aproximou-se do balcão e perguntou-me:
"Você sabe o que é isto?" - enquanto me apontava uma pistola.
Olhei para ele nos olhos, abri lentamente a caixa registadora, retirei a gaveta e coloquei-a em cima do balcão:
"Acabei de o contar há alguns minutos, tem 250 Euros. Posso ajudá-lo em mais alguma coisa?" - respondi-lhe eu.
Não pude deixar de reparar nos olhos esbugalhados de surpresa.
Seguiram-se segundos de silêncio excruciante.
Resolvi arriscar. Com as duas mãos no ar, usei uma delas. Apontei para o canto da loja onde estava a câmara de vigilância.
"Vai mesmo sujar as mãos por 250 Euros?"
O silêncio voltou, mas desta vez ele surpreendentemente recolheu a arma.
Senti uma certa tristeza e tensão no ar e perguntei-lhe:
"Aceita um café? Fica por minha conta."
Ele aceitou o café e começou a falar comigo como se fosse um confidente.
Tinha acabado de roubar uma carrinha. Estava a caminho de um assalto a uma casa de Aveiro que sabia estar vazia.
Já tinha sido preso por conduzir sem ter tirado a carta, pois foi apanhado a fazê-lo mais de seis vezes.
Entretanto chegou um cliente e ele com naturalidade agradeceu o café e foi-se embora enquanto eu colocava de volta a gaveta na caixa registadora.
Quantas vezes nos colocamos sinceramente no lugar dos nossos agressores ou inimigos? Nos nossos relacionamentos estamos mais preocupados em ser simpáticos ou empáticos ?
Colocar-se no lugar dos outros parece ser um atributo natural que surge connosco á nascença e que por alguma razão, em algum momento do percurso das nossas vidas simplesmente perdemos esse dom natural.
Um destes dias assisti a um funeral de uma amiga. No corredor da igreja estava a cunhada da minha amiga com o filho. Um bebé muito pequeno ao colo.
O esforço da mãe para não chorar era visível . O bebé olhava para ela á procura de contacto visual. Era como quem dizia: "Olha para mim, o que se passa contigo?"
Quando o funeral chegou ao fim, o choro contido da mãe começou a ceder. O bebé procurava constantemente o contacto visual da mãe. Chorava com a mãe quando ela chorava. Parava de chorar quando ela parava. Punha a mãozinha na cara da mãe como quem a consolava.

Todos temos a capacidade de nos colocar-mos no lugar do outro. Podemos fazê-lo de uma forma genuína , natural e desinteressada.
O mundo está a precisar desesperadamente de autenticidade. Seguramente a empatia é a forma mais autêntica de resolvermos muitos dos conflitos e desigualdades que vivemos em todos os níveis da sociedade.
A empatia não resolve os problemas dos outros , mas ouvir e colocar-se por uns momentos no lugar do outro pode sem duvida dar-lhes a força e a esperança que precisam para tentar mais uma vez . A si dá-lhe a compreensão e a visão a 360º do problema e elimina o preconceito.
Os problemas e os conflitos dos outros, serão um dia o seu problema e o seu conflito, se não tiver empatia autêntica e genuína nos seus relacionamentos.

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